sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O novo de novo, depois de cada onda

   A nostalgia da despedida, a expectativa da chegada, ambas ao mesmo tempo; escolho a segunda. Um ano passado e outro recém-chegado, encaram-se em frente ao mar. Os fogos que ascendem ao alto colorem, brilham, hipnotizam e depois descem humildes, resignados: missão cumprida. O balé de fogos fatalmente acabará, mas "no enquanto" em que existem, são mesmo eternos.
  A areia sob os pés, que começam descalços, livres; as ondas que batem nas pernas; são sete. Para cada uma, um pedido. Alguém adverte do risco de se "pedir" demais, ela escolhe três, por precaução. Eu peço quatorze, meu universo é generoso e eu não contenho meus sonhos.

  O primeiro dia, na primeira hora e o compromisso de pular as tais sete ondas, nunca fui apegada a nenhuma simpatia, não nasci para superstições; nunca achei que elas fossem as responsáveis por destino algum. Mas sempre gostei dos ritos, da encenação, da emoção aflorada pela prática, da materialização da fé; vivo mais quando acredito. 

  A primeira onda passou, quando eu ainda me preparava para fitá-la; o primeiro amor também passou e eu só o descobri quando ele ia longe. A segunda onda lavou os pés, sujos de areia e alga; a segunda mágoa lavou a alma, suja de ressentimentos antigos e desilusões recentes. A terceira onda chega já sem força e bate leve, sem susto, sem medo, sem afetação; faço dois pedidos simples, proporcionais ao pouco impacto da água. E depois a quarta onda...

  Demorada, livre de grandes expectativas, mudo de desejo três vezes antes dela cobrir os pés pacientes, receptivos; um quarto pedido esperando ser feito. Ela, finalmente, chega, desejo os três em uma só onda. O tempo nem sempre subtrai, muitas vezes ele acrescenta. A quinta onda é quase uma continuação da anterior, vem discreta, gentil, delicada, assim como uma alegria comezinha, que se perde enquanto procuramos por maiores acontecimentos.

  A sexta onda é a mais forte, molha os pés, os joelhos e a barra do vestido, me empurra para trás; chega avisando que o limite quase nunca sou eu quem estabeleço. A derradeira onda falta, decide não me encontrar, sou eu intimidada, eu precavida, eu assustada pelo impacto da onda mais recente, resguardada na areia, distante do destino que não virá ao meu encontro. A última onda que não vem e a vida que também parece se atrasar ou não querer me encontrar. Uma, duas, três ondas não me alcançam e eu protegida na praia, mas endividada com a vida. A dívida de um último pulo, uma última onda e meu desejo guardado. Lembro do Pessoa e me arrisco, porque, afinal, é preciso passar além da dor, avanço rumo ao mar escuro, misterioso e incerto, atrás da minha boa sorte. Só eu posso fazer a travessia, só eu sou a responsável por esta empreitada. Sozinhos, eu e meu barco, ultrapassamos a sétima onda.

 O passado recente e o começo de futuro, ambos em uma mesma praia, dividem festa, compartilham brinde e superam suas diferenças. Dançamos uma última música, despeço com gratidão do passado e recebo, ainda tímida, o futuro.

  Durmo com os pés sujos de areia, o corpo coberto de suor e sal, mas a alma é limpa e está repleta de bons agouros. O primeiro dia do ano é de sol, despedidas e um gosto de futuro. Hoje já é o terceiro dia e eu tenho, ainda, treze pedidos soltos no mar. - Sou eu quem irá resgatá-los! A primeira promessa do ano está feita.




Um comentário:

Ana disse...

maravilhosa passagem de ano, que tudo se realize como mais desejas.