quinta-feira, 10 de julho de 2014

É cair numa terça e levantar no domingo, ou não?

  Eu não visto uma camisa a cada quatro anos e me disponho a torcer por uma seleção como se fosse um país; eu não olho para homens vestidos com calção e meias como se fossem os heróis de uma pátria; nem vejo homens com bandeiras de outros países e finjo que são meus inimigos por 90 minutos. Mas eu amo futebol. Não acho o esporte mais bonito, nem acho suas regras as mais justas, tampouco os seus personagens mais especiais. Amo, porque nasci em uma casa onde ele é reverenciado e fui criada por um homem que também o ama e amando este homem, aprendi, também, a amar os seus amores.

  Amo tanto futebol, que não sofro dias por derrota alguma, por vezes até comemoro, pois dá a oportunidade de uma reestruturação, mudança de rumos, estratégias ou dirigentes. Amo tanto, que a ele dediquei um ano inteiro da minha vida, não jogando, porque nunca tive talento, nem assistindo, porque me falta paciência, mas estudando, escrevendo, pesquisando e o amando mais. Futebol na abordagem por mim escolhida, contava a história de uma país, repleto de frustrações e inúmeras superações; ensinava mecanismos de sociabilização que as nossas escolas foram incapazes de ensinar e nas quais  muitos homens nunca puderam pisar e, principalmente, porque o futebol, aqui, sempre figurou como uma metáfora da vida, que dizia: "perde hoje, mas amanhã pode ganhar". 

  Portanto, quando levamos sete gols doloridos eu não vi tragédia. Não foram sete tiros, sete estocadas de arma branca, sete homens mortos, sete vidas desperdiçadas, mas sete bons e merecidos gols. A derrota por um gol nos daria a chance da justificativa mágica: sorte ou azar. Nos daria o gosto amargo do "quase". Mas o sete, este número místico, nos libertou da angustia do último minuto, de responsabilizar um só homem ou a falta dele, de nos iludirmos com a nosso talento imbatível. Se fomos bons, e fomos muito bons sim, foi graças ao trabalho, aos talentos individuais somados, e não destacados de um todo. Uma seleção derrotada, em casa, deveria ter o calor do afeto, da admissão da vulnerabilidade e não da vergonha de um fracasso. 

  Derrotas magras nos enganam, nos dizem que somos "quase" ótimos, mas ainda somos bons e por isso não mudamos os caminhos, repetimos os erros, achando acertar em um dia de sorte. Já as derrotas largas não, elas nos apontam os defeitos ignorados, não vistos por vaidade, elas não mentem ou omitem, mas escancaram o que temos de pior e nos dá a real dimensão do caminhos que estamos a escolher.

  Eu amo futebol, porque mesmo que eu não saiba jogar eu sei quando sofro ou cometo um pênalti na vida, uma falta, um carrinho desleal, sei quando o juiz erra e mesmo assim preciso continuar em campo; relembro cada lance perdido, desperdiçado ou bem aproveitado, depois de uma partida e aprendo; sei quando a minha defesa falha ou quando sou egoísta e não repasso a bola ou quando sou segura e assumo a responsabilidade pelo gol da vitória. Eu amo futebol porque levo sete gols inacreditáveis numa terça-feira e volto para campo na quarta, para treinar e no domingo, buscar um honroso lugar que eu não queria, mas que, humilde, eu reconheço que é o máximo que eu merecia. E eu que não me canso de levar sete gols em tantas partidas, nunca deixei de frequentar as quatro linhas. Eu amo futebol, porque ele também me explica.



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