sábado, 6 de setembro de 2014

Histórias que me contam

  Ouço histórias todos os dias, muitas, variadas e, quase sempre, me sinto muito privilegiada por ouvi-las; tê-las para mim, ao menos um instante, imaginar ser um pouco dona delas e estabelecer algum laço com quem as conta ou com quem faz parte delas. Quem conta, se satisfaz em ser ouvido, quem ouve, amadurece, cresce em dimensões imateriais, estica em direção ao que ninguém pode ver.  Mas as histórias nunca são exatamente como me contam, tenho aprendido.

  As histórias que me contam vêm, quase sempre, de uma perspectiva limitada,  um lado só, trazem uma linearidade inventada e cores que desbotam ou são reforçadas por aquele que fala. As histórias que eu ouço têm sempre alguém que é vítima  e outro alguém vilão. São luzes colocadas sobre os lugares que desejam revelar e matizes escuros, naquilo que preferem esconder. As histórias que me contam são tentativas de me fazerem gostar ou desgostar de alguém, validar uma escolha ou reforçar uma razão; narradores em busca de testemunhas de sua inocência - só os inocentes parecem falar.

  As histórias que ouço, são segredos de outros, intimidades de terceiros, porque quem fala, pensando que não se revela, prefere expor um outro e nem sabe que é assim que mais se desnudam. E as histórias chegam sem intenções aparentes, até que, aos poucos, absorvem,  consomem,  afogam ou sufocam, e passam a morar, de outra maneira, em que as ouve. Moram em mim de outro jeito, daquele que eu escolho ouvir e não do jeito que contam.

  Os olhos castanhos-inocentes dela, o meio sorrisinho no canto dos lábios bem pintados, tentam me convencer de algo que eu quase creio; e acho que ela mesma acredita no enredo que divide agora comigo. Ela é bonita, é esperta, é jovem, mas para ela não é o bastante; nunca é. Em todas as histórias que me contam, as pessoas querem ser o que nunca foram e desejam aquilo que não têm, mesmo que já tenham demasiado. O alcançado sempre perde o seu valor; bom e definitivo é aquilo que nos escapa das mãos. E ela que eu mal conheço, finge confidências, me conta uma história, para que ela passe subitamente a existir - existirá para ela. Em mim, uma diferente passa a me habitar, pinto noutros tons os desenhos que ela faz para mim. As histórias que não me contam são as que acabo ouvindo, perpassadas por diferentes tempos, atores que se desdobram em diferentes papéis. 

  A escuta precisa ultrapassar os ouvidos. Ela se faz mais dentro, com coração, alma e um tanto de devaneio; assim, os ouvidos passam a ser difíceis de enganar. As melhores histórias ninguém me conta, mas eu as sinto e, por isso, sei que existem. Da história da garota bonita dos olhos marrons e lábios desenhados, o que ela não me contou é o que eu pude mesmo ouvir e, no final, foi aquela da que mais gostei.




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