quinta-feira, 4 de abril de 2013

Final é só uma parte


  Os finais são mesmo supervalorizados, é o que eu penso enquanto caminho e lembro da noite anterior na palestra do célebre escritor. Ele é mesmo ótimo, mas o que ecoa na manhã de hoje é a pergunta da senhora da segunda fileira, que compara a trajetória deste a de um outro escritor contemporâneo. De fato ambos, cada um ao seu modo, lutaram por um país mais justo e, depois de algumas décadas, o objeto de comparação da senhora declarara em seu mais recente livro que arrependera-se de muitas das suas atitudes e não teria tomado as mesmas decisões hoje. A mulher ainda elogia o livro, do tal escritor, mas destaca mesmo a sua decepção com o final; onde há tal declaração. E, só então, ela emenda a pergunta: "Você também se arrepende de alguma atitude?" Creio que ela se referia a um período histórico bem específico, mas cuidadoso  o escritor pondera: "acredito que não, mas não posso respondê-la com total precisão a uma pergunta tão profunda, preciso de algum tempo para responder". Ele é sensato, penso. A vida de ninguém resume-se a um período limitado. As decisões de uma época, certas ou "erradas" são as que nos fazem ser o que somos. Para alguns, uma benção, para outros uma tragédia, para maioria os dois.

  E em um mundo em que se pede cada vez mais "urgência" com os processos, um final pode ser tudo. O importante tem sido: "e então, como termina?". Mesmo que a história tenha sido fantástica, o final do livro é que pareceu despertar a maior emoção da senhora, foi o final que levou-a a questionar o outro escritor; um filme pode ser incrível, mas se o final desagrada ele é ruim; uma relação termina depois de 20 anos, porque "não deu certo". Não deu? E o mundo todo limita-se a um ginásio de esportes, todos treinando por uma maratona, que no final só um sairá vencedor. E todos os outros que não venceram, não ganharam nada? Voltam as suas vidas, sem nenhuma conquista? Não acredito.

  E quando mesmo que o final chega? Quando a conquista é finalmente antigida, daí então não se buscará mais nada? Claro que não. A euforia da vitória dura pouco, dias, horas ou, ainda, só minutos. O meio é que fica para sempre, estão nos meios nossas maiores conquistas: a superação de um medo, o apoio de um amigo, o incentivo inesperado, o cansaço e o descanso, as pernas doloridas, o coração de batidas disritmadas, o sonho em cada sono e o sonho, o sonho.

  A senhora da segunda fileira não gostou do final do livro, talvez porque o escritor revelasse sua insatisfação com o fim da sua luta: deu-se esse país. Ambos insatisfeitos com o aparente final. Mas o livro, antes do final era bom, inclusive para ela; a luta do escritor, antes deste final que estamos vivendo também fora muito válida.

  Talvez o escritor da palestra tenha chegado a esta mesma reflexão no carro, de volta para a casa, talvez não. Mas, estão nos meios o que toda a gente procura, são os meios, que fazem uma história ser grandiosa. A maior injustiça que fazemos com a nossa própria história é reduzí-la a um simples final. A maior glória é mesmo a luta, a vitória e a derrota passarão, como sempre passaram, mas o que se fez até que cada uma acontecesse é o que nós somos. Não engane-se com a posição em um pódio, ali, só o mais rápido do dia e mais nada.  E se por um acaso amanhã eu acordar acreditando que as minhas batalhas em nada resultaram, pensarei na imagem consoladora de um náufrago a dar braçadas em meio ao mar, braçada após braçada e no final: ele morre na areia. Final desolador? Nem tanto, porque acho mais honroso "nadar, nadar e morrer na praia", do que morrer afogado, por não ter tentado. Quanto a pergunta da senhora da segunda fileira, se a mim fosse feita, eu não seria tão sensata: - Não, não há arrependimentos. Faria exatamente como fiz. Sou, porque um dia fiz.


Um comentário:

Ana disse...

Como diz o famoso poema Itaca, o que conta é a viagem e não o destino.
Eu também não guardo arrependimentos, às vezes penso o que seria se tivesse feito alguma coisa diferente, mas não é pensamento que me persiga.
beijo