segundo, a libertação. O amor colocava roupas e fotos, com delicadeza, em cima da cama para não bagunçar nenhuma lembrança ou embolar uma manga de camisa na perna de alguma calça, enquanto o esquecimento atirava lembranças e objetos pessoais no carpete do quarto.
Pareço louca
domingo, 7 de dezembro de 2025
O amor e o esquecimento abriram os armários da casa
segundo, a libertação. O amor colocava roupas e fotos, com delicadeza, em cima da cama para não bagunçar nenhuma lembrança ou embolar uma manga de camisa na perna de alguma calça, enquanto o esquecimento atirava lembranças e objetos pessoais no carpete do quarto.
domingo, 30 de novembro de 2025
Aquele outro mundo no qual evitamos pisar
Ela percorre o mundo sobre um cavalo. Ninguém mais o vê. Seus cabelos não voam ao vento — estão curtos, agora — sua voz soa como um alarido feudal, sempre em luta. Ela comunica as novidades do passado, faz previsões do que já aconteceu e, por isso, ninguém a compreende. Quando alguém a ouve pela primeira vez, até tenta entender seu estranho idioma, seus gestos de um outro tempo, sua liberdade expandida pelas ruas, mas logo desistem, naturalizam a sua perturbadora presença incisiva, de gritos, gestos e palavras incomuns. É como se ela fosse a fratura inevitável e inerente à alguma ordem.
Admiro que ela viva em um outro mundo. Que não seja a fantasia de alguém frustrado que tenta colocar na boca da personagem real algo que ela não diria ou que soaria mais agradável. Ela não quer agradar a ninguém.
Carrega a mesma mochila todos os dias, não sei o que tem lá, mas suspeito que sejam itens para alguma sobrevivência: arma branca, cantil, moedas, cartão de crédito, isqueiro, identidade, caneta com um bloco de notas, hidratante labial não. E também as mesmas roupas, calça jeans, camiseta e casaco de moletom, mesmo que o sol de meio-dia seja de verão. Para mim, ela empunha uma arma imaginária e suas roupas são peças de uma armadura.
domingo, 23 de novembro de 2025
Talvez o começo seja só aspirar o outro lado da rua
— Mas isso é burocracia, todos sabemos que oito dias não são suficientes para luto nenhum. Mas isso aqui é capitalismo.
A borboleta do domingo, pousando em frente à lanchonete — bonita, de asas escuras, com uma mancha azul em cada asa, as ruas cheias de silêncio e chuva fina e depois cheias de ocupações, atrasos e vida, na segunda-feira, manhã abafada, com lágrimas quentes, ranho em lenços de papel e as flores. Eu nunca vou me esquecer das flores. E da injustiça que é existir, ainda, segundas banais sem você. É que o mundo dos outros não parou, os motoristas continuam a estacionar em frente às garagens, os caixas preferenciais continuam ocupados por quem não precisa ser recompensado e nem o mau humor dos vendedores não é quebrado pela sua ausência. Nada nos ensinou sobre o que fazer com os próximos dias.
Eu não estava preparada para pisar nesse solo ainda. Não que eu tivesse alguma expectativa de um dia estar, mas agora parece ainda mais precoce. Não que estejamos preparados para qualquer terra em que nunca pisamos, mas essa me parece demasiado violenta, movediça, impossível de encontrar um fim; eu me afundo sem forças para segurar em nada.




